domingo, 21 de agosto de 2011

Insensato Coração, Psicanálise e a morte do Pai




Desde o início da novela Insensato Coração não deixo de comentar as questões importantes abordadas sobre a família na contemporaneidade. Mas o que nesta novela nos leva a pensar sobre estas questões?

Nesta novela o tema central foi uma família de classe média alta com seus conflitos comuns a cada família. Mas a diferença é que nesta a ênfase foi colocada muito mais nas vicissitudes das relações entre pai e filho do que em qualquer outro conflito. Na figura de Pedro e Léo toda a narrativa se movimenta. Pedro, um típico filho de Édipo honrava Pai e Mãe e seu conflito era justamente de conseguir ultrapassar seus limites da castração e resolver suas situações pessoais, amorosas e profissionais, questões estruturais neuróticas. O Pai e sua Lei devem ser honrados mesmo que o preço seja a própria felicidade...o gozo em não gozar....



Já Léo não conseguia entender tamanha ingenuidade...honrar Pai e Mãe, não para ele somente o Amor de uma Mãe, ela era a origem de sua certeza de que a Lei é só uma questão de interpretação e que na verdade o Gozo deveria prevalecer, em detrimento da estagnação da castração...Numa interessante cena final entre Pai e Filho, Raul diz para Léo “você nunca conseguiu aceitar o meu amor” traduzindo para o perverso o Pai não é ...e assim não se constitui a metáfora Paterna e a Lei não se instala.



Nesta relação fraterna de Pedro e Léo todos os outros personagens dançavam sua coreografia e dentre todos eles gostaria de destacar Norma que de simples enfermeira se tornou a questão dos últimos capítulos a saber quem matou Norma? A norma que Norma representava na verdade estava morta desde o início da novela... na representação da Lei do Pai, este estava morto e assim toda a noção definida de norma também padece...mas a personagem de Norma também merece nossa atenção por ser emblemática a passagem de simples enfermeira vítima de todos para poderosa viúva de milionário....ela foi de coitadinha à malvadinha, alguns até diziam perversa....Mas que nada o que Norma desejava era a” norma”fálica, a norma da família normal (pai, mãe, filhinhos, cachorrinho e etc) e assim ela ensaiou mas não conseguiu ser perversa e assim padeceu em sua neurose como Édipo. O sonho do neurótico é poder driblar a Lei...ser perverso o idílico paraíso para o neurótico...



Que país é esse celebra o refrão da música do Legião Urbana mas na verdade que família é essa?

Novas formas de família, novas formas de se estabelecer a função paterna, novos tempos?

O pai está morto ou somente são novos rumos de uma nova forma de estabelecer estas relações familiares?

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Retratos do Imaginário


Retratos imaginários do Histérico
17 de agosto de 2011.

Ao escutar os pacientes algumas imagens se impõem ao clínico, são imagens que traduzem de maneira figurada os elementos principais da teoria psicanalítica e que o praticante pode eventualmente reconhecer no curso de seu trabalho.O psicanalista se serviria destas imagens para efetuar a metamorfose do abstrato para o perceptível e propor sua interpretação. Assim em vez de se perguntar como intervir? Se interrogasse Que devo fantasiar?

Que retratos imaginários se esboçam na cabeça do analista na escuta de seu paciente histérico ou em face da histericização transferencial?

P. 77 homem histérico e P 78 a mulher.

Ao escutar nossos pacientes histéricos, devemos nos lembrar que este sofre por não saber quem é, por não conseguir deter, nem que seja por um instante, o insustentável desfile das imagens que o povoam, e submetido às quais ele não consegue evitar oferecer-se aos outros.

Somos nós, os psicanalistas que no silêncio da escutam, imaginamos mentalmente, sob a forma de uma cena, a origem do sofrimento experimentado pelo neurótico. À maneira de um filtro teórico situado entre o ouvido e a boca do psicanalista, entre o que ele escuta e o que diz, o cenário da castração se revela, assim um instrumento mental notável no trabalho do clínico. Assim devemos formular duas observações importantes:
1)      a cena imaginária que nos representamos mentalmente enquanto o analisando fala conosco nunca reproduz, tal e qual, a épura da fantasia de castração estabelecida pela teoria mas uma de suas variações: a específica de um momento exato da sessão.
2)      trata-se de imagens que não são queridas pelo psicanalista, mas que a ele se impõem espontaneamente durante sua escuta ativa.

Assim quando o analista rompe o silêncio de sua escuta e intervém, sua intervenção deve ser considerada como uma colocação em palavras da cena fantasística que se desenrolava nele mentalmente e que sob forma de imagens exprimia a origem inconsciente do sofrimento vivido por seu paciente. Como seqüência temos p. 80 e 81


O Psicanalista olha aquilo que escuta
Às diversas variedades da ação psicanalítica são o silêncio, as intervenções explicativas e a interpretação, devemos agora acrescentar a quarta que é a escuta visual, esta ligada ao um estado de visão transitório e fugaz, vivido pelo psicanalista. A escuta fica tão polarizada no dizer do paciente que o analista não apenas esquece seu eu, como também olha aquilo que escuta, aqui houve uma identificação singular entre o próprio analista e a materialidade sonora a palavras pronunciadas pelo analisando. É como se a pessoa do analista se deslocasse à maneira de um objeto erógeno, por três zonas do corpo: o ouvido, a boca e os olhos. O seguinte esquema: P 81

O tratamento e seu término
A análise reproduz a doença de que deve tratar, por isso ela constitui,pura e simplesmente, uma histeria que o analisando e o analista têm que resolver juntos na transferência. Num momento avançado da análise o analisando deve se deparar com uma estado subjetivo e inconsciente de aceitar ou recusar a atravessar a prova da angústia de castração. Este estado é o apogeu e não o fim da análise. Numa palavra, a maneira como o neurótico termina sua análise decide sobre sua cura.

Devemos sublinhar que numa análise o analisando se separa duas vezes: primeiro, dele mesmo, depois do analista. O primeiro registro é temporal e se desenrola em 3 fases:
1)      fase inicial em que a histeria de transferência se instaura progressivamente,
2)      fase mediana caracterizada por um estado de crise aguda ao analisando e que marca o ponto de exacerbação paroxística da neurose transferencial, a prova da angústia
3)      fase final onde se elaboram o luto e o processo de auto-separação resultantes da proa da angústia. Existe aqui uma concordância entre o analista e ao analisando.

O segundo registro é o processo psíquico do tratamento, se desenrola num tempo ilimitado que se inicia na idéia de consultar um psicanalista até um além desconhecido...P 88

Numa situação de análise a ação do psicanalista deve conduzir o paciente ao estado de angústia, reativar a angústia que antes havia se convertido nos sintomas, o paciente deve atravessar a angústia. Assim o analista é o semblant: o Outro castrado, o Outro da Lei e o Outro do desejo.
O primeiro é o horror do buraco da castração, este não representa não apenas uma ameaça que assusta mas também um apelo que seduz e tranqüiliza, a fantasia de castração é angustiante mas protege a criança do perigo de experimentar um gozo sem limites.
O segundo é uma das versões paternas de proibir e punir severamente o desejo do incesto, esta está na origem da neurose obsessiva. “Tenho medo da Lei, mas não deixe de lembrá-la a mim ininterruptamente: peço-lhe que me dê ordens me proíba e se preciso for me castigue.”
O terceiro é também uma figura paterna a de um pai afeito ao gozo e que goza com todas as mulheres, um pai capaz de abusar de mim, de me violentar e gozar com  sofrimento: a mesma contradição teme mas se sente atraído...”Tenho muito medo de você, mas tome-me em seus braços e faça de mim a presa de seu desejo perverso.” Aqui a perversão é evocada, mas não é estrutural o neurótico sonha em sê-lo.

O desejo do neurótico é um desejo de angústia
A maior dificuldade do analista consiste, simultaneamente, em criar um estado de perigo na análise, suscitar a eclosão de uma nova angústia no analisando, e lograr que ele renuncie à angústia com que vinha convivendo desde sempre. Mas de que modo?
A solução histérica para o problema da angústia é AMAR a angústia, apegar-se a ela de corpo e alma, até se tornar coisa; e isso apesar do sofrimento dos sintomas. Para que ele se livre radicalmente de sua angústia, tem que encontrar, primeiro, uma nova angústia produzida pela análise, e então atravessá-la para poder deixá-la.

LER nota de rodapé P. 92.



A Histeria


10 de Agosto de 2011
Comentários sobre o livro A Histeria: Teoria e Clínica Psicanalítica de J. D. Nasio.

O útero na Histeria: uma fantasia fundamental
Antes de iniciarmos propriamente o tema de nosso encontro de hoje devemos recordar que a fantasia de castração na base de toda neurose é também a fantasia que todo ser falante, neurótico ou não, não para de superar e superar. No que se refere ao neurótico, esta fantasia domina sua vida pois esta vida é inteiramente organizada em função da angústia de castração, núcleo da fantasia.

Existe na Histeria uma cena fundamental, o seu conteúdo poderia ser resumido pela seguinte cena, dois corpos entrelaçados, um homem e uma mulher concebem um filho sem penetração genital. O histérico seria neste tanto o ator desse sonho como o lugar que abrigaria os dois corpos místicos., assim ele faz de si o lugar protetor de sua união sublime. A fantasia fundamental aqui é ligada a identificação primordial de encarnar o útero, órgão matricial oco que contém o encontro real onde se gera a vida, o útero assume duas condições em suas fantasias:
1º )  órgão ameaçado de mutilação quando na penetração sexual (fantasia recorrente de horror ao abuso ou ao estupro em muitas pacientes histéricas)/Fantasia de castração.
  receptáculo ideal do homem e da mulher desprovidos de sexo/Fantasia fundamental.

Assim existem dois tipos de útero-falo que o histérico se identifica: órgão interno, a ser preservado e nunca exposto ou é o órgão receptáculo. Deste modo entende-se o porquê da aproximação do histérico da bissexualidade como muito já foi dito sobre o caso Dora. De fato na histeria não existe uma oposição dos sexos, existe um fácil deslizamento no papel masculino para o papel feminino.Mais acertado seria de os chamar de hors-sexuels, fora do sexo. Isto porque o histérico ignora se é homem ou mulher, a histeria consiste uma impossibilidade de assumir psiquicamente um sexo definido, histeria como uma incerteza sexual nem homem, nem mulher.

A diferença entre as fantasias histéricas, obsessiva e fóbica.
Existe uma fantasia originária de castração em todas as neuroses.

1º) a cena da fantasia obsessiva, fantasia inconsciente e submetida à pressão do recalcamento: p. 69
2º ) aqui é um ouço mais complicado pois a angústia de castração suscitada pelo desejo da criança é essencialmente em relação ao pai e não mais exclusivamente em relação à mãe, como nas neuroses histérica e obsessiva. É o pai que se acha no centro da fobia, mesmo que o desejo incestuoso pela mãe continue a ser o ponto de partida. O pai se apresenta como objeto primeiro em desejo de morte, parricida e depois como objeto de um desejo de amor:. A angústia de castração despertada pelo amor ao pai é rejeitada e projetada no mundo externo, esta angústia fixa-se num objeto transformado então em objeto ameaçador do qual o fóbico terá que fugir para evitar de ser invadido por um medo consciente, mais tolerável do que o é a angústia inconsciente de castração: p. 70.

Assim é como se a criança vivesse as voltas de ser sufocado pelo pai, a zona erógena em torno da qual se organiza a fobia não se limita a uma zona localizada mas estende-se à totalidade dos tecidos musculares

Na neurose, não importando sua expressão, o sofrimento vivido pelo sujeito é a expressão dolorosa do combate do eu para projetar para fora a angústia de castração contida em sua fantasia.

Na F. O=a ameaça entra pelo ouvido, angústia  resultante submetida ao recalque se desloca para o pensamento e se fixa numa idéia anódina.
Na F. F=a ameaça entra pelos orifícios de todo o corpo, a angústia resultante submetida ao recalque acaba sendo projetada, instalada e localizada no mundo externo.
Na F. H=a ameaça entra pelos olhos, a angústia resultante submetida ao recalque se converte em sofrimento da vida sexual, numa erotização geral do corpo, paradoxalmente acompanhada por uma inibição localizada no nível da zona genital.

Resumindo: Gozar constitui, para o histérico, um limite derradeiro e perigoso que, uma vez transposto, fá-lo-ia mergulhar inevitavelmente na loucura, explodir e se dissolver no nada. Assim ele ser recusa a gozar, para se manter afastado do gozo e persistir numa recusa, o histérico inventa inconscientemente uma fantasia protetora: a fantasia angustiante de castração e cria a ameaça fictícia de perder sua força fálica. Esta medida protetiva o salva mas o perturba em sua maneira de perceber os seres a que ama e odeia, como um lente deformadora, a fantasia de castração mergulha o neurótico num mundo em que a força e a fraqueza decidem em termos exclusivos sobre o amor e o ódio.
“Amarei e odiarei meu parceiro conforme a percepção de sua força ou fraqueza fálica.”
Dominado e Dominador num mundo onde o único verdadeiro domínio é o não gozo.



terça-feira, 2 de agosto de 2011

Anorexia e Histeria


Os estudos pós-freudianos sobre a histeria apontam na dialética do desejo e à vista do jogo fálico, que se pode considerar como pontos de ancoramento das organizações histéricas. Segundo DOR (1991) convém apontar os pontos de cristalização em que esta lógica fálica corresponde um modo específico e preponderante que se fixa em torno da problemática do ter e do seu correlato não ter. A passagem do ser ao ter é determinada principalmente pela intrusão paterna. O pai (imaginário e simbólico) aí se manifesta intervindo especificamente como pai privador e frustrador do desejo da criança. É efetivamente porque o pai é reconhecido pela mãe como aquele que lhe faz a lei que o desejo da mãe se revela à criança como um desejo inscrito na dimensão do ter.

O jogo histérico é por excelência a questão desse passo a dar na assunção da conquista do falo. DOR (1991) observa que em Lacan é preciso que o pai a um dado momento dê a prova dessa atribuição. Ora, precisamente, toda a economia desejante do histérico se esgota sintomaticamente na colocação à prova desse dar a prova.

Aceitar que o pai seja o único depositário legal do falo é engajar seu desejo para com ele à maneira de não tê-lo. Por outro lado, contestar esse falo enquanto pertencente ao pai senão por ter dele desapropriado a mãe é abrir a possibilidade de uma reivindicação permanente concernente o fato de a mãe poder também tê-lo, ou mesmo ter ela o direito a ele. Nessa reivindicação do ter identifica-se alguns dos traços mais notáveis da histeria e igualmente o que a aproxima do sintoma anoréxico. Na anorexia o corpo toma dimensões fálicas onde o controle do mesmo subverteria a ordem do ser e do ter numa eterna militância do ter. O corpo serve então de instrumento de expressão de controle (ou ilusão deste) do seu desejo até mesmo nos limites da morte. Não tendo medo da morte a anoréxica se faz criadora do seu fim, mas também da sua origem. A dialética da finitude e do ser infinito é um dos ecos d atualidade. O corpo como um campo de batalha é um dos mandamentos de nosso tempo. Sob esse aspecto poderíamos pensar no que o discurso contemporâneo oferece para esse corpo e nas fraturas subjetivantes e que ele vê sendo lançado. A característica do desejo histérico é a insatisfação, sendo esta a única estrutura que corresponde a um discurso. É o sujeito dividido, o próprio inconsciente em marcha. O histérico é o escravo, sempre à procura de um Senhor. Precisa de um mestre. Excita o desejo do outro, mas não se aceita como objeto desse desejo.

Segundo NASIO (1991) a histeria não é uma doença que afeta um indivíduo, mas o estado doentio de uma relação humana que assujeita uma pessoa a outra. Seria antes de tudo, o nome que damos ao laço e aos nós que o neurótico ata nas suas relações com o outro a partir de suas fantasias. O histérico então é aquele que, sem ter conhecimento, impõe na relação afetiva com o outro a lógica doentia de sua fantasia inconsciente. Fantasia em que ele desempenha o papel de uma vítima infeliz e constantemente insatisfeita, estado este que domina toda sua vida. Mas qual é a razão disto?

“A razão é clara: o histérico é fundamentalmente um ser de medo que, para atenuar sua angústia, não encontrou outro recurso senão manter incessantemente, em suas fantasias e em sua vida, o doloroso estado de insatisfação. Enquanto eu estiver insatisfeito, diria ele, ficarei protegido do perigo que me espreita.(...), o perigo de viver a satisfação de um gozo máximo. Um gozo tal, que, se o vivesse, ele o faria enlouquecer, dissolver-se ou desaparecer.” (Nasio, 1991, p. 15)
A insatisfação tem que prevalecer e assim a anoréxica se resguarda também do genital afirmando a sua batalha cotidiana com o alimento numa luta de amor e ódio onde o corpo magro é o símbolo central de seus desejos e conquistas.
Segundo SCHEVACH (1999), a anorexia é definida como uma patologia dos laços amorosos com o outro e consigo mesma; seria, fazendo um jogo de palavras, uma amorexia. É importante assinalar que, quando a anoréxica se entrega à restrição alimentar, por mais séria que seja, isso não a incomoda. Ela se posiciona em sintonia com esse jejum alimentar, tornando-o problema para o outro. Seu sintoma é a gordura (ou as curvas) que elas vêem em uma determinada área. É um excesso irredutível localizado no seu corpo. É um transtorno insuportável causado pela distorção de sua imagem corporal. Observamos, em seguida, na anorexia, o borramento, o apagamento das formas do corpo feminino, a amenorréia, e certo desligamento do laço social.
A psicanálise verifica que esses transtornos alimentares não ocorrem apenas na aparência e em relação ao corpo. No fundo, são sintomas tributários das vicissitudes do amor, do desejo e do gozo. O desejo é, por excelência, da ordem da insatisfação. Só se deseja aquilo que está em falta. A anoréxica leva ao extremo a preservação do desejo pela sua insatisfação
A anorexia é uma das traduções da impossibilidade, ou da tentativa fracassada, do sujeito atual se inserir virtualmente na cena do espetáculo.  ASSOUN (1993), em Freud e a Mulher, vê a anorexia como uma síndrome histérica que expressa enfaticamente algo de característico da feminilidade. O emagrecimento do corpo se origina no curto circuito da sexualidade com a função nutricional do alimento, daí a ética da ascética do corpo.
A anoréxica apresenta um espetáculo que responde à perplexidade de Freud, já que, em sua pretensão fantasística, ela é aquela que, por excelência, sabe o que quer. Porém, o que ela ignora é que esse querer determinado sustenta uma negação do desejo. Deste modo essa estrutura neurótica traz um traço de perversão na marca mesma de uma Verleugnung (renegação). "O querer garante a presunção do saber absoluto, mas esse corpo subjugado constitui uma barreira para algo que não quer se expressar, que é o desejo pelo outro" (ASSOUN, 1993, p. 118). Renegação da sedução: desencanto e ausência de sexualidade.
Na adolescência, momento em que a jovem se volta para o pai com a intenção de alcançar sua feminilidade, complementando o corte com o vínculo materno, é especialmente um certo olhar que ela requer da instância paterna. É o momento em que este olhar não pode faltar. Trata-se de uma demanda muda, aquela que envolve uma certa discrição, num ponto de hesitação simbólica, entre a pulsão oral (voz) e a pulsão escópica (olhar). Na dimensão da anorexia este pai é faltoso e o que ela busca, este olhar não o encontra, sendo assim ela parte sem alcançar sua feminilidade. Assim, dois objetos pulsionais têm seus destinos relacionados entre si, nesta metamorfose que vai elaborar a abertura para a feminilidade: momento de obter o reconhecimento, de consolidar a identificação, momento de ser vista.
A adolescente é demandante de olhar. A ausência de olhar do pai, o olhar vazio abre a dialética: comer/ser comido, olhar/ser olhado. O ódio pela mãe fornece a energia a esta demanda totalitária. Medo de ser comida (devorada) pelo olhar da mãe e "vontade" de ser comida (com os olhos) pelo pai. Com relação à figura materna, podemos dizer que diante do temor de ser devorada pelo olhar desse outro claramente determinado, sua mãe, a saída que a anoréxica encontra é tentar, ela própria, devorar o olhar de sua mãe, colocando-se a serviço de uma "fantasmática de devoração". Porém, apesar de sua tenacidade, de seu superinvestimento, sustentando uma fantasia de onipotência, que até pode vir a se expressar narcísicamente através de ideais éticos e estéticos, de perfeição física e moral, o resultado dessa estratégia será sempre o fracasso.

Para romper o laço com a mãe, aparece a demanda frente à relação com a figura paterna - é preciso eleger um pai ou fazer-se eleger por ele. E o que ela espera do pai? Muito: que ele lhe prometa que a amará, que lhe "fará" um filho e que ela será uma mulher (e que sua mãe não será obstáculo a nenhum dos 3 desejos). Olhar, uma estranha e complexa condição de existência.

Mas como se reconhecer, se em sua tenacidade a anoréxica é tomada pela cegueira? Aos seus olhos, o sexo do Outro é apenas uma falha, revelada ou por uma potência excessiva ou por uma fraqueza demasiada. Freud afirmou que o olho cego da histérica não via na consciência, mas via no inconsciente o encanto erótico do outro amado. Trata-se de fazer-se ver pelo pai, de buscar um sinal do que significa para ele que ela esteja em vias de tornar-se uma mulher. A questão urgente passa a ser: com que olho ele me vê?.

Podemos afirmar que a anoréxica se vê colocada frente a frente sua cegueira ao desejo, por aquele que não é nem viril nem feminino, mas falho ou onipotente:. (Nasio, 1991, p 142).

Assim, o que comove o histérico não é o encanto do sexual mas o encanto que emana da força ou, ao contrário, na fragilidade do parceiro. A lógica da fantasia de castração determina que o eu-olho-erógeno nãp apenas percebe a falha do Outro, mas se identifica com o objeto falo de que o Outro foi privado, o eu-falo percebe visivelmente a falta de falo no Outro. “(...) concluiremos dizendo que o próprio eu é um sexo à procura da falha do Outro-seja essa falha uma impotência ou um excesso de potência.” (Nasiop. 142)

No Seminário 11 vamos encontrar a proposta de um laço entre o olhar, a fascinação e o sacrifício do desejo puro, quando LACAN enfatiza que o que se solicita é o próprio olhar, e não a visão. Há que se manter a distância entre esse ponto de onde o sujeito se vê passível de ser amado e um outro, aquele em que "se vê causado como falta pelo objeto a e onde o a vem arrolhar a hiância constituída pela divisão inaugural do sujeito". Essa hiância nunca é atravessada pelo objeto a, e é assim que lidamos com sua função com valor de olhar. Esse olhar é justamente o que procuram as anoréxicas que desfilam seu corpo magro e se entregam na procura do olhar desejoso de um pai. Temos aqui, mais uma vez, uma interessante articulação entre a pulsão escópica e a oral, até mesmo nas próprias palavras utilizadas por Lacan: "esse "a" se apresenta, justamente, no campo da mensagem da função narcísica do desejo, como objeto indeglutível, se assim podemos dizer, que resta atravessado na garganta do significante. É nesse ponto de falta que o sujeito tem de se reconhecer. 
Essa questão se faz explícita, se concretiza no próprio corpo da anoréxica, uma vez que atingir ao corpo ideal corresponderia a um padrão que, ao mesmo tempo, a identifica e a faz perder sua identidade subjetiva. Um corpo uni-forme, que devora a diferença, que não sustenta a bissexualidade psíquica constitutiva do sujeito. A cega determinação em negar a questão da falta se articula com a construção da imagem de um corpo ideal que lhe é particularmente conveniente. Promove ainda a construção de uma nova identidade através de um "sou anoréxica", ou ainda, posiciona-se pela palavra dos familiares: "Tenho uma filha anoréxica". Solução de posicionamento subjetivo, de localização do gozo. Em outras palavras, nomeia-se através do padecimento.

Igualmente no Seminário 11, Lacan refere-se à anorexia mental ao descrever a operação de separação, a operação constitutiva do sujeito do inconsciente, em que o sujeito diante do Outro responde à falta com a falta. É o momento de fazer-se desaparecer frente ao enigma do desejo do Outro:

“A fantasia de sua própria morte, de seu desaparecimento, é o primeiro objeto que o sujeito tem a pôr e jogo nessa dialética, e com efeito o faz-sabemos disto por mil fatos, ainda que fosse pela anorexia mental.” (Lacan, 1979, p. 203).

O sujeito é ser em nada (ser na morte) sob a forma do acting out ou da passagem ao ato, e o que irrompe após o ato é um encontro falhado, que báscula essencialmente fora de cena. Responde tragicamente à ignorância do Outro acerca do seu ser. HEKIER (1996) citando Lacan em A Direção da Cura, ao relacionar a posição da anoréxica com o desejo nos leva a deduzir que, ao recusar o alimento, ela sustenta uma verdade. A anorexia seria assim a expressão de um sintoma do desejo, de um desejo particular, um desejo de nada.

Por não conseguir situar o outro na sua liberdade de sujeito desejante, a anoréxica tenta uma frágil sustentação ignorando o outro como tal. Ela se isola do desejo dos homens e inscreve em seu corpo a marca de sua estranheza. Apaga de seu corpo todo sinal exterior de feminilidade, disfarçando as saliências de seu sexo, ou então, oferecendo, através de sua aparência trágica, sua versão grotesca.

A anorexia nos coloca diante do ponto culminante atingido pelo olhar no cenário do mundo, até além desse cenário, no ponto em que o sujeito é reduzido a uma pura e simples castração, ou a mero valor de mercado, numa sociedade inteiramente voltada para o consumo. Segundo NASIO (1991), na análise, o sujeito deverá ganhar em desejo o que ele perde em gozo. Dominado pelo componente narcísico que, como indicou Freud, pode dispensar um objetivo sexual, a anoréxica não alcança um corpo de prazer. O prazer fracassa em cumprir sua função de limite ao gozo.

A clínica da contemporaneidade parece apontar para uma ausência de corpo, no sentido até de uma descarga maciça das forças pulsionais. A análise vai permitir o remanejamento através do Outro e o retorno da força pulsional sobre o próprio sujeito, isto é, sua libidinização, para que possa nomear seus objetos de desejo, em lugar de sofrer de tanto gozo. Dito de outro modo, a análise buscará a construção da referida corporalidade do eu através da transformação das forças pulsionais a partir da inserção do sujeito na cadeia significante.

Marcelo HEKIER (1996) lembra que etimologicamente, "adicto" significa escravo, mas também pode significar não-dito, e é a partir dessa leitura que a Psicanálise vai poder escutar o corpo da anoréxica. Falar do corporal significa, fundamentalmente, apontar, por um lado, para as descrições corporais próprias de alguns fenômenos pulsionais, e, por outro, para o caráter unitário do psíquico e do somático.

Finalizo com HEKIER (1996), enfatizando que, quanto às psicopatologias da contemporaneidade, o psicanalista, ao ser convocado, não deve fazer desses posicionamentos subjetivos, uma categoria clínica, mas sim, escutá-los como uma demanda de questionamento constante da teoria, a fim de podermos fazer de nossa prática um movimento sempre reflexivo e permanentemente aberto. Existe uma mensagem no adoecer da anoréxica. Sua inanição tem um significado, um conteúdo. Isto que não pode ser falado é o que a clínica psicanalítica vai investigar. O que leva uma mulher a arriscar sua vida na busca de um ideal de beleza é o que é questionado na tentativa de compreender o que está envolvido neste jogo que mistura a exigência da sociedade e desejos, aparecendo inscritos no corpo, como uma metáfora.