terça-feira, 22 de maio de 2012

O amor está em voga! E quando é que ele saiu? por Anna Rogéria visto em psicoway.com

SOBRE O AMOR
“ A Psicanálise é, em essência, uma cura pelo amor.”
                                                             Freud,  numa carta a Jung.
 
            Qual o lugar do amor na Psicanálise? Esta é a pergunta que a psicanalista Olivia Bittencourt Valdivia faz em seu artigo: “ A Linguagem Interminável dos Amores”, e que tomamos como nossa. Como podemos diferenciar o amor transferencial do amor cotidiano? Existe um amor transferencial e um amor cotidiano distintamente? Será que o amor transferencial não nos dão pistas sobre o amor cotidiano ou ainda será que o amor cotidiano não nos dão pistas sobre o amor e ódio transferenciais?
            “ Freud humano e apaixonado nos deixa os mapas de sua exploração. Em seu percurso amoroso e sensual e autorizado pôr uma longa experiência clínica, há muito se interrogava sobre a vida amorosa dos homens. Em fins do século passado tentando entender a histérica percebeu que talvez ela quisesse dizer alguma coisa com o seu  corpo. Alguma coisa que não conseguia dizer com palavras. E a histérica falou do sexo, do amor, do ódio e da culpa. Freud sem querer, inaugurou o lugar da Psicanálise, que é na verdade o lugar de uma relação de amor. Nesta relação a libido refaz seus caminhos até a possibilidade de uma relação de amor com o analista, que abre esta possibilidade para a vida do analisando. Freud revolucionou a compreensão da noção de sexualidade colocando o sexual no registro do pulsional, estabelecendo a idéia de uma impossibilidade de satisfação, só encontrada  através da fantasia.”[1]
            No rastro da sexualidade caminha o amor ou, como queiram, no rastro do amor caminha a sexualidade. Assim como a meta da pulsão é satisfazer-se a meta do amor é encontrar-se.
            Aristófanes nos conta que nossa antiga natureza não era tal como a conhecemos hoje e sim diversa. Os seres humanos encontravam-se divididos em três gêneros e não apenas dois - macho e fêmea - como agora. Havia um terceiro gênero que possuía ambas características e que era dotado de uma terrível força e resistência e, além disso, de uma imensa ambição; tanto que começaram a conspirar contra os deuses. Zeus e as demais divindades viram-se então tendo que tomar providências para sanar tal insubordinação; tinham a alternativa de extinguir a espécie com um raio, como haviam feito com os gigantes, porém perderiam também as homenagens e os sacrifícios que lhes advinham dos humanos. Pôr um outro lado permitir tal insolência pôr mais tempo era impensável. Resolveu-se então parti-los ao meio, desse modo não  só se enfraqueceriam como também aumentariam de número. Assim foi que até hoje, divididos como estamos,  que cada um infatigavelmente procura a sua outra metade.
            Essa busca incessante aparece no discurso de nossos analisandos das mais diversas  formas, todos desejam, em última instância ser amados. Todas as histórias narradas podem ser lidas  como histórias de amor. Numa composição binária: atividade e passividade, sadismo e masoquismo, paixão e recato, procura e espera, amar e ser amado, cada um à sua maneira e todos numa mesma composição, desenvolvem o drama de suas paixões num palco cercado pôr quatro paredes.
            “A energia de Eros (libido), faz referência a tudo o que pode sintetizar-se como amor, incluindo : o amor a si mesmo, aos pais, aos filhos, à humanidade, ao saber e aos objetos abstratos. Nele convergem pulsões parciais de ternura, ciúme, inveja e desejos sexuais orientados para os mesmos objetos. O amor é , assim, apresentado como uma ampliação do conceito de sexualidade e ao mesmo tempo ancorado na inadequação radical dos objetos à satisfação sexual, vinculada a um fator de desprazer  inerente `a sexualidade humana.”[2]
            Freud à partir dos três ensaios sobre a sexualidade, vai descrevendo o processo de sexuação/subjetivação humana, como uma tentativa de convergência das pulsões sexuais infantis (perverso polimorfo) à uma organização genital adulta, na qual estaria presente a possibilidade de reprodução. Na organização genital adulta, as pulsões se unificariam sobre o primado da genitalidade e reencontraria então a fixidez e a finalidade aparentes do instinto. Sabemos, entretanto, que este encontro/reencontro é da ordem do mítico. A pulsão nunca se satisfaz; não pela “inadequação radical dos objetos”, como coloca Olivia, mas pela inadequação da sua própria proposição - satisfazer-se.
            A pulsão cega, muda e perdida, encontra seus olhos, sua boca e seu rumo no discurso amoroso. O discurso amoroso que, diga-se de passagem,  não recobre somente aquilo que entendemos como os belos gestos ou as belas palavras, mas também os mais odiosos gestos e as mais estúpidas palavras.
            “ O discurso amoroso (odioso) sufoca o outro, que não encontra lugar algum para a sua própria fala nesse dizer maciço. Não é que eu o impeça de falar, mas sei como fazer para deslizar os pronomes : Eu falo e você me ouve, logo nós somos (Ponge). Às vezes, com terror, me conscientizo dessa inversão: eu que me acreditava puro sujeito  (sujeito submisso: frágil, delicado, miserável) , me  vejo transformado em coisa obtusa, que avança cegamente, que esmaga tudo sob seu discurso: eu que amo, sou coisa indesejável, faço parte do rol dos importunos: aqueles que pesam, atrapalham, abusam, complicam, pedem, intimidam (ou apenas simplesmente: aqueles que falam). Me enganei monumentalmente.
(O outro fica desfigurado pelo seu mutismo,  como nesses sonhos terríveis onde certa pessoa amada aparece com a parte inferior do rosto inteiramente apagada, sem boca; eu que falo , também fico desfigurado: o solilóquio faz de mim um monstro, uma língua enorme.)”[3]
            Este amor revelado num dizer maciço assemelha-se ao dizer psicótico; parece-me que a condição do amor psicótico não leva em conta a distância dos corpos, esta distância que aprendemos a respeitar e que às vezes  nos parece insuportável: “A gente sabe guardar distância: à mesa, no trabalho, na rua, existe um espaço devido. Se me aproximo demais, coro, desculpo-me. Por que tal distância? Eu quero companhia e quero solidão, mas a distância convencional é menor que a pedida pelo desejo de estar comigo e muito maior que a proximidade consoladora dos amigos que faltam.”[4]
            A loucura não seria mesmo essa anulação da distância que sabemos guardar uns dos outros? Não seria ela mesma um espécie  de verborragia que não levando em conta os espaços entres as palavras inaugura uma outra linguagem? Linguagem que se estrutura para além ou aquém dos sentidos  alcançados pelos eixos de referência usuais com os quais caminhamos? Caligaris dizia que se os neuróticos organizam-se segundo um mapa terrestre, os psicóticos se organizariam segundo um mapa estrelar!
            Mas seria mesmo só da loucura todas estas atribuições? Me parece que o ser apaixonado também almeja algo parecido: fazer de dois - um.  O ser apaixonado elege o seu amado`a condição de único, onipresente em seus pensamentos e em seu corpo. Onipotente em suas capacidades. Me parece que o ser apaixonado alcança o impossível, e por ser o impossível, não perdura. O impossível é dar nome a algo inominável, é se apropriar de algo inapropriável.
            “Por uma lógica singular, o sujeito apaixonado percebe o outro como um Tudo (a exemplo de Paris outonal), e , ao mesmo tempo, esse Tudo parece comportar um resto que não pode ser dito. E o outro tudo que produz nele uma visão estética: ele gaba a sua perfeição, se vangloria  de tê-lo escolhido perfeito; imagina que o outro quer ser amado como ele próprio gostaria de sê-lo, mas não por essa ou aquela de suas qualidades, mas por tudo, e esse tudo lhe é atribuído sob a forma de uma palavra vazia, porque Tudo não poderia se inventariado sem ser diminuído: Adorável! não abriga nenhuma qualidade, a não ser o tudo do afeto. Entretanto, ao mesmo tempo que adorável diz tudo, diz também o que falta ao tudo;  quer designar esse lugar do outro onde meu desejo vem especialmente se fixar, mas esse lugar não é designável; nunca saberei nada; sobre ele minha linguagem vai sempre tatear e gaguejar para tentar dizê-lo, mas nunca poderá produzir nada além de uma palavra vazia, que é como o grau zero de todos os lugares onde se forma o desejo muito especial que tenho desse outro aí (e não de um outro).”[5]
            Discutindo sobre o conceito de objeto (a), na teoria lacaniana, Nasio se pergunta: “Quem é o outro, meu parceiro, a pessoa amada? Quando Freud escreve que o sujeito faz o luto do objeto perdido, ele não diz ‘da pessoa amada e perdida’ e sim do ‘objeto perdido’. Por que? Quem era a pessoa amada que se perdeu? Que lugar ocupa para nós a ‘pessoa’ amada? Mas, será realmente uma pessoa?/  Coloquemo-nos no lugar do analisando, que deitado no divã, pergunta a si mesmo: ‘Quem é essa presença atrás de mim? É uma voz? Uma respiração? Um sonho? Um produto do pensamento? Quem é o outro?’ A psicanálise não responderá que o ‘outro é...’, mas se limitará a dizer: ‘ para responder a essa pergunta, construamos o objeto (a).’ A letra (a) é uma maneira de nomear a dificuldade; ela surge no lugar de uma não resposta”.[6]
            De uma certa maneira poderíamos dizer que o apaixonado mimetiza a letra (a)  na pessoa amada. O ser amado passa a ser a causa animadora dos desejos do ser apaixonado. Na ilusão de um ser total, completo, no qual nada falta, que lhe pode dar tudo e negar nada. Numa perspectiva lacaniana, o ser amado concebido desta maneira estaria no registro do (A) , grande Outro não barrado. Podemos ver aqui, uma suposta causa de inúmeros sofrimentos de amor, onde o ser apaixonado tenta alcançar no outro algo impossível, um gozo impossível. O assassinato ‘por amor’ talvez reflita um anseio, uma tentativa desesperada, de atingir o outro em sua  imaginada, desejada ‘essência’.
            A desejada captura da ‘essência do outro’ na verdade refere-se à uma  busca de nós mesmos; uma procura não apenas de uma suposta  unidade perdida, como também da força determinante, pulsional que nos atravessa e nos constitui. Nos constitui como seres estranhos a nós mesmos. Talvez o ser apaixonado reproduza inconscientemente a alienação primordial ao Outro, numa tentativa de metabolizar (ao estilo da repeticão traumática) esta experiência infantil alienante/constitutiva. Um mergulho na própria imagem especular.
             Nossas associações nos levam a pensar nas indicações de Freud quanto aos tipos de escolhas objetais sob as quais uma pessoa pode amar; seriam elas do tipo narcísico e do tipo anaclítico. Nunca encontramos essas categorias em seu estado puro, mas sim mescladas , sobressaindo um pouco mais desta do que daquela. Na paixão o que talvez se destaque seja o amor narcisista, o qual corresponderia à :  a) o que ela própria é, b) o que ela própria foi,  c) o que ela própria gostaria de ser, d) alguém que foi uma vez parte dela mesma. Na atitude afetuosa dos pais para com os filhos, onde Freud reconhece uma revivência e reprodução do  próprio narcisismo infantil dos pais, estaria um   modelo de amor, entre um homem e uma mulher adultos, do qual falávamos.
            Como Freud postula existiria ainda o modelo de relação por apoio ou anaclítico. A escolha objetal por apoio  se constrói à partir dos modelos das primeiras satisfações sexuais que se derivam da satisfação adquirida pelas pulsões do ego ou de auto-preservação. Entretanto, nos fica a pergunta, se não há ai também um  modelo predominantemente narcísico de ralação, pois como falávamos acima, os cuidados dos pais para com os filhos, se baseiam, desde a idade mais precoce, em princípios puramente narcísicos: “A criança terá mais divertimento que seus pais;  ela não ficará sujeita às necessidades que eles reconheceram como supremas na vida. A doença, a morte, a renúncia ao prazer, restrições à sua vontade própria não a atingirão;  as leis da natureza e da sociedade serão ab-rogadas em seu favor; ela será mais um vez realmente o centro e o âmago da criação - ‘Sua majestade o Bebê’, como outrora nós mesmos nos imaginávamos.”[7]
            Será que estas categorias, anaclítica e narcísica, realmente fazem algum sentido para nós? 
            Será que o amor não é sempre um amor narcísico? 
            Cabe neste momento passarmos a fazer uma distinção entre o amor e a paixão, entre o que concebemos como amor no sentido mais “pleno” da palavra e o amor como sentimento fugaz,  esvanecente. 
            Pudemos localizar apenas um aspecto do amor  quando  definíamos o ser amado no lugar do (A), grande Outro não barrado, ou seja  do outro que tem, que possui o que dá,  do outro supostamente completo. O amor propriamente dito, se situa diante do Outro destituído do que dá,  do grande Outro barrado, (A), em outras palavras do outro reconhecido em sua castração. Seria neste espaço que encontraríamos não mais a paixão, mas sim o amor.
            Eu sei do meu desejo de capturar o outro e fazer dele a minha semelhança, eu sei que meu desejo me transborda e não reconhece diques, eu sei que por ‘amor’ sou capaz de matar  para me fazer existir.
            No amor passa-se a saber não só sobre o próprio desejo, mas também sobre O desejo e que frente a ele não há um, e sim, dois. Quem disser que cabe só ao psicótico “esquecer” que existe um outro distinto, com uma lógica que lhe é peculiar , autônomo e independente em sua própria maneira de desejar e construir o mundo, com certeza nunca terá se apaixonado.
            Sócrates no ‘Banquete’, leva seus ouvintes à conclusão  de que o amor não pode ser belo; pois ama-se sempre aquilo que lhe falta e o amor, que ao belo sempre ama, (quem ama o feio, bonito lhe parece) só pode então ser destituído de beleza. Neste sentido o amor mostra uma de suas facetas  mais narcísicas: a pessoa dirige seu amor ao que ‘ela própria gostaria de ser’, e porque não dizer como Sócrates : ‘ ao que ela própria gostaria de possuir.’
            Entretanto Diotima fará Sócrates avançar em sua retórica sobre o amor...de uma maneira belíssima discorrerá por axiomas que irão chegar a um resultado mais belo ainda.  Não é por ser o amor destituído de beleza que ele seja necessariamente feio (narcísico?) dirá. O amor parece ser um intermediário entre os homens e os Deuses.
            Equivalendo o amor ao bem, comenta algo assim: os homens desejam o bem, mas não desejam só o bem e sim possuir o bem - e possuir o bem seria antes possuir o bem para sempre. A fim de que desejariam possuir o bem para sempre?   “Em concreto, qual o efeito que eles (os amantes) visam (desejando possuir o bem para sempre), sabes dizer-me?”
            Sócrates coloca : “Se o soubesse, não estaria aqui a admirar a tua ciência, Diotima, nem seguiria  as tuas lições para me instruir nessas matérias...”
            Pois bem, Diotima diz : “o alvo do Amor não é de fato o Belo”, como supõe Sócrates, mas sim “Gerar e criar no Belo!”  E gerar concretamente, pois para o ser mortal esta é a única via de se perpetuar e imortalizar:[8] “o Amor  tem igualmente em vista a imortalidade[9]
            Gostaria de acentuar com esta passagem que Diotima aponta para uma possibilidade de amar que ultrapassa a esfera pessoal e culmina com a criação, a qual se contrapõe à repetição.
            O amor em Freud nos leva a pensar o amor como repetição, estamos inseridos numa cadeia de imagos, marcados pelas impressões infantis, das quais não podemos nos furtar. “Quando amamos não fazemos mais que repetir; encontrar o objeto é sempre reencontrá-lo e todo o objeto de amor é substitutivo de algum objeto fundamental prévio à barreira do incesto.”[10]
            Em seu artigo, Olivia coloca que, em contraposição à Freud, a boa  nova de Lacan foi mostrar que “há possibilidade de novos amores possíveis”, “Lacan define o amor como aquilo que vem em suplência da relação sexual. Na impossibilidade da relação sexual ligada ao Real, há uma reversão simbólica permitindo ao sujeito a ilusão de que a relação sexual é possível. Na medida em que é momentânea, não consegue manter a certeza e se dá outra reversão imaginária que se revela como amor ”[11]
            Penso que Diotima nos mostra   como o amor transcende o amor imaginário, através do ‘gerar no Belo’ e amplia assim as possibilidades de suplência da ‘relação sexual’.
            Poderíamos ainda seguir discutindo sobre város temas que se abrem quando falamos do amor, por exemplo quanto a especificidade do amor do homem e do amor da mulher, que penso terem qualidades (e defeitos!) próprios, mas temos que nos reconhecer castrados também em relação à nossa criação.
            Quanto a disposição inicial   em discutir  as singularidades do amor de transferência do amor cotidiano não creio  que tenhamos feito muitos avanços. Miller discutindo sobre o amor de transferência, numa das conferências de Caraquenhas, nos mostra como esta distinção parece um tanto quanto arbitrária quando olhada com mais cuidado, pois se reconhecermos o amor de transferência como “uma repetição estereotipada das condutas inscritas no sujeito, dispostas a ressurgir quando se lhes dá ocasião” , isto, como diz Miller “é certo para todo amor”.[12]
            Assim como o amor não é algo do dia a dia, a entrada em análise também não. Porém quando esta acontece é indicação que aquela já se tornou possível, ou será ao contrário? A associação livre tem algo de uma postura alienada em relação ao outro ao qual se dirige a fala. Um pouco como a fala do apaixonado que com o seu discurso busca um sentido e um continente para sua emoção. O analista como suporte e condicionador da fala do seu analisando, aposta no inconsciente, transmitindo a idéia e a comprovação impírica, de que no limite da fala , da palavra, pode ser encontrada a verdade sobre o Outro que representa a si mesmo. Diríamos que o analista tem a função de balizador do gozo[13] do Outro, isto quer dizer que não só serviríamos como testemunhas da castração como também seríamos um eixo de referência às modalidades do sujeito gozar.
 
            Deixamos de lado, influenciados pela tortuosidade e dispersividade que o próprio  tema provoca, talvez uma das discussões principais deste trabalho, a saber: De que amor se trata , quando Freud , afirma que ‘a psicanálise é em essência uma cura pelo amor’! Freud cientista, Freud céptico quanto à própria natureza do homem[14], nos deixa um pouco embaraçados com uma afirmação como esta. Talvez tenhamos que dar atenção ao interlocutor a quem se dirige a frase com o fim de justificá-lo (desculpá-lo)? Mesmo assim, de que maneira?
            Todavia temos ainda a possibilidade de acreditar que o amor a que se refere Freud não é o amor judaico-cristão do qual descendemos, mas sim uma outra espécie de amor. Uma outra espécie de ‘aproach’.
            Mas, que espécie de amor/aproximação é esta?
            Diríamos que  a isto  que Freud dá o nome de amor  poderia  ser pensado como todas as nossas condutas que, conscientemente ou não, sintetizam a nossa ética, que num resumo um tanto grosseiro, significam:  saber que o sofrimento é algo inerente à condição humana, que não podemos viver no lugar do outro algo que lhe é próprio, que não podemos apartar o sofrimento de quem quer que seja , no máximo, acompanhá-lo.
 
 
BIBLIOGRAFIA
 
.  Valdivia, Olivia Bittencourt;  “A Linguagem Interminável dos Amores”;  Jornal do Federal  Nº34; 1993.
. Freud, Sigmund;  “Obras Completas”;  Ed. Imago; 1969.
. Platão;  “O Banquete”;  Edições 70;  1991.
. Alain Miller, Jacques;  “ Percurso de Lacan - Uma Introdução”;  Ed. Zahar;  1994.
. Barthes, Roland;  “Fragmentos de Um Discurso Amoroso”;  Ed. Franciso Alves;  1995.
. Herrmman, Fabio;  “Andaimes do Real - Livro I”;  Ed. Brasiliense;  1991.
. Nasio, J.-D.;  “Cinco Lições Sobre a Teoria de Jacques  Lacan”;  Ed. Zahar;  1993.
.  Souza, Paulo Cézar (organizador);  “Freud & O Gabinete do Dr. Lacan”;  Ed. Bras.;  1990.
. Milan, Betty;  “O que é Amor”;  Ed. Brasiliense;  1991
 

[1] Valdivia, “ A Linguagem Interminável dos amores”.
[2] Idem nota (1)
[3] Barthes, “Fragmentos de um Discurso Amoroso”, pag.148
[4] Herrmann,  “Andaimes do Real”, pag.103.
[5] Barthes, “Fragmentos de um Discurso Amoroso”, pag.14
[6] Nasio, “Cinco Lições sobre a Teoria de Jaqques Lacan”, pag.93/92.
[7] Freud, “Sobre o Narcisísmo: Uma Introdução”, pag.108.
[8] O desejo da imortalidade (supondo universal) também deveria ser objeto de investigação! Porque desejamos a imortalidade? Porque não podemos simplesmente morrer? Desejamos a imortalidade pelo medo da morte ou por amor à vida? E o que há na vida que causa tanto amor a ela?
[9] Platão, “O Banquete”, pag.76/77
[10] Bittencourt, idem nota (1)
[11] Bittencourt, idem nota (1)
[12] Miller, “Percurso de Lacan - Uma Introdução”, pag.66
[13] Sabemos da complexidade do conceito, porém para este trabalho não foi possível desenvolvê-lo. Para aqueles interessados no tema recomendo o livro do Nasio, citado aqui.
[14] Numa entrevista belíssima,  perto do final de sua vida, Freud comenta, ao passear pelo jardim de sua casa em Londres, que preferia “a companha dos animais à companhia dos humanos” ,  e referindo-se ao desejo de imortalidade diz não tê-lo: “Se reconhecemos os desejos egoístas por trás de toda conduta humana, não temos o mínimo desejo de voltar...para que serviria isso ,sem memória”. “Não me faça parecer um pessimista - disse ele após o aperto de mão . - Eu não tenho desprezo pelo mundo. Expressar desdém pelo mundo é apenas outra forma de cortejá-lo, de ganhar audiência e aplauso. Não, eu não sou um pessimista, não enquanto tiver meus filhos, minha mulher e minhas flores! Não sou infeliz - ao menos não mais infeliz que os outros.”  -  Paulo Cézar Souza, ‘Freud e o Gabinete do Dr. Lacan’.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Precisamos falar sobre a MÃE DE KEVIN e sobre NÓS.
Resenha sobre o filme : "Precisamos falar sobre Kevin" (2007)

Na tentativa de explorarmos a temática da hipermodernidade e suas consequências e configurações, nós do NAEPP,pela via da psicanálise , lançamos mão da sexta e da sétima arte como auxílio.Desta vez, 'la película' americana /inglesa entitulada "Precisamos falar sobre Kevin", fruto do 
 livro da incrível escritora Lionel Shriver (2007).

Para escrevê-lo ,ela estudou dezenas de casos e usou essas histórias para criar EVA, uma mulher de 40 e poucos anos que reexamina a sua trajetória em busca dos motivos que podem ter transformado ( e transformaram mesmo)  seu filho,Kevin, num cruel assassino. No livro, em longas e detalhadas cartas ao pai do menino, ela analisa o próprio casamento, o impacto da maternidade sobre sua antiga vida e momentos significativos da infância de Kevin. Seu relato é escandalosamente sincero , pontuado por confissões como a de um dia ter parado no meio da rua,diante das britadeiras de uma construção , e fechado os olhos de prazer ao notar que as máquinas encobriam o som do choro incessante de seu bebe, recém nascido.

Ora,durante milénios nos submetemos docilmente ao mandato do "crescei e multiplicai-vos", sem nada questionar.À medida que as mulheres começaram a se perguntar se queriam mesmo ter filhos, moralistas, filósofos,religiosos e políticos passaram a exaltar a magnitude social da função da maternidade.Para tanto, tentaram convecê-las de que eram sagradas, portadoras de um instinto natural que as tornava capazes de total entrega amorosa aos seus filhos.
É preciso coragem, como teve a americana Lionel Shriver ,para descrever uma maternidade e um filho bem diferentes disso.Monstruosos.
Eva , a personagem, é uma viajante, mulher livre e sua vida parecia plena mesmo sem a maternidade.No entanto, por amor ao marido que desejava ser pai, e levada pela ideia de que estaria embarcando em mais uma aventura,resolveu engravidar.O problema é que o arrependimento bate já nos primeiros acordes… O que vemos é um retrato angustiante das fantasias que se escondem no "lado negro"da experiência de gerar um filho.Bem à la " O Bebê de Rosemary", de Polanski (1968),onde o seu parto parece a irrupção de um alienígena , onde nasce o "filho do demónio" , Eva desenvolve com seu filho Kevin uma relação paranóica , onde o menino se comporta como a própria encarnação do demónio assassino, tal qual em A PROFECIA.
No entanto, em PRECISAMOS FALAR COM KEVIN, o filho-monstro já não veste ou serve à fantasia do filho de satã.Ele é mesmo fruto da rejeição materna, associado a uma figura de pai-morto.Parece mesmo ter nascido para "espezinhar"sua bondosa(?) mãe, a qual mal consegue cumprir o árduo trabalho de esconder o quanto acha seu filho estranho.Um estranho.
Kevin, por sua vez, cumpre seu destino edipiano.Comete um duplo e múltiplo  assassinato e seu crime condena mãe e filho (maravilhosamente misturados inclusive em imagens pelo diretor no filme) a viverem um para o outro.
EVA seria uma caricatura, mas também um retrato do que acontece com todas as mães ?

Shriver avisa: a maternidade pode destruir sua vida! 

O que Freud diria sobre isso ? E aquele seu fã, o tal do Lacan ??

Mirelle Araújo.

segunda-feira, 19 de março de 2012

EMMY a polêmica......!

MOSER, Fanny (Emmy von N...) (1848-1925)

Os trabalhos de O. Andersson e de H. Ellen­berger nos apresentaram a verdadeira Em­my von N..., "livoniana", a paciente na qual Freud disse ter utilizado pela primeira vez o método "catártico".
"Emmy", cujo nome verdadeiro era Fanny von Sulzer Wart, nasceu a 29 de julho de 1848, em uma nobre e antiga família de Winterthur.
Com a idade de 23 anos, casou-se com Heinrich Moser, um riquíssimo homem de negócios, quarenta anos mais velho e já pai de dois filhos. Com a sua morte, legou à esposa toda a sua fortuna; assim, esta foi acusada de envenená-Io. A suspeita de assas­sinato pesaria tão forte sobre o seu destino, que ela nunca conseguiria realizar o seu de­sejo mais caro: ser recebida nos salões da aristocracia européia. Levou uma vida er­rante, teve amantes entre os seus médicos, e acabou apaixonando-se por um jovem que se apoderou de boa parte da sua fortuna. Fixou-­se enfim em Au, perto de Zurique, em um "castelo", onde morreu a 2 de abril de 1925.
Suas duas filhas foram marcadas, cada uma à sua maneira, pela neurose materna: a mais velha faria uma brilhante carreira de zoóloga, antes de publicar em 1935 uma obra sobre a parapsicologia, prefaciada por Jung. A mais nova, revoltada contra os valores da classe dominante, da qual ela era um puro produto, se tornaria militante comunista, fun­daria em 1928 uma creche em Ivanova (URSS) e publicaria em 1941 um livro de histórias de animais para crianças. Os ani­mais tinham desempenhado um grande papel na patologia materna. Com efeito, em 1889, Freud decidira tratar Fanny Moser, que manifestava uma grave fobia por certos ani­mais. O tratamento durou seis semanas. Freud lhe fez massagens, prescreveu-lhe ba­nhos e procurou, através do sono artificial, da hipnose e do diálogo, "libertá-Ia" das suas emoções dolorosas. Afirmou que a tinha cu­rado. A 1º de maio de 1889, em uma crise de pânico, ela lhe deu ordem de afastar-se: "Não se mexa! Não diga nada! Não me toque!"
Na história oficial das origens da psicaná­lise, atribuiu-se, pois a Emmy von N. a inven­ção da cena psicanalítica, como se atribuía a Anna 0. a invenção do tratamento psicana­lítico (por "limpeza de chaminé"). Emmy "fabricou", dizia-se, as interdições necessá­rias a uma nova técnica de tratamento, fun­dada sobre o afastamento do olhar. Depois dela, o médico iria tornar-se psicanalista e instalar-se fora da vista do doente, renuncian­do a tocá-Io e obrigando-se a escutá-lo.
Entretanto, não só Emmy von N... não inventou a famosa "cena" da psicanálise mo­derna, mesmo que a frase seja autêntica, e nunca foi curada da sua neurose, nem por Freud nem por seus outros médicos.
Trabalhos recentes tendem a questionar os diferentes diagnósticos de histeria ou de melan­colia, e até de esquizofrenia feitos por Freud e seus sucessores, e consideram que Fanny Mo­ser sofria da doença de Gilles de Ia Tourette, debate onde reencontramos a antiga querela que opôs Freud aos partidários do organicismo.
O que vocês tem a dizer???????
Anna Oliveira

quinta-feira, 8 de março de 2012

Freud e a cura pela hipnose

Freud começou na psicanálise pelo viés da medicina, o que fazia-o perceber o sujeito pela fisiologia orgânica do corpo. Com Charcot, famoso médico e cientista, Freud conheceu a hipnose, como método de se tratar a histeria, o que lhe rendeu uma forma de propor ao paciente à cura do sintoma sem esforço.
Nessa época, a hipnose era a maneira que Freud conhecia, até o momento, de se chegar ao inconsciente das histéricas.
Freud, como psicanalista, iniciou e finalizou os estudos sobre hipnose.
O importante dessa leitura é percebermos que Freud experimentou de diversos conceitos para avançar em seus estudos e conclusões. Ele começou seu caminho pelo viés do conhecido, da ciência como base estruturante, porém percebeu em cada sujeito que atendia e em sua própria vida que o desconhecido era a chave para se fazer conhecer. Logo, não se estagnou pela frustração do que não correspondia aos seus anseios; partia em frente, lapidava uma nova pedra e enveredava-se por um outro (ou novo) caminho.
Portanto, ler Freud é estar atento ao tempo e espaço, trazendo suas contribuições para o nosso tempo e espaço.
Lorena R. de Freitas Melo
 

domingo, 4 de março de 2012

Primeira aula : Leituras Freudianas

Charcot estava procurando uma correlato orgânico nas manifestações histéricas. Ele muda esse ponto de vista e declara que a histeria escapa mesmo às mais profundas investigações anatômicas. Mas consegue ver nessa patologia uma sintomatologia definida e classifica a histeria no campo das perturbações fisiológicas do sistema nervoso e é a partir daí que ele começa a utilizar a hipnose como forma de intervenção clínica.


A histeria já chamava a atenção de Freud e em 1885 ele vai a Paris assistir ao curso que Charcot ministrava na Sapêtriére, “e adere entusiasticamente ao modelo fisiológico oferecido por ele para a histeria”.

Dois aspectos importantes dessa neurose já estavam claros para Freud e para Charcot: o fato de que a histeria não era uma simulação, que ela era uma doença funcional com um conjunto de sintomas bem definidos sendo tanto uma doença feminina como masculina, desfazendo a necessária relação que existia entre histeria e o sexo feminino.

Um grande problema ainda continuava, era preciso estabelecer um quadro de sintomatologia regular para a histeria. “Caso isso fosse obtido, a histeria seria incluída no campo das doenças neurológicas; caso a tentativa não fosse coroada de êxito, o histérico seria identificado ao louco” (Roza, 2005, p.33)

Charcot passa então, a produzir um quadro sintomático regular para o histérico, através do uso de drogas e da hipnose, isso traria a histeria para o campo da neurologia, retirando-a da psiquiatria. Mas os pacientes passaram a oferecer muito mais do que lhes era solicitado. A sugestão hipnótica permite um controle da situação, “mas isso evidencia ao mesmo tempo que a histeria nada tinha a ver com o corpo neurológico, mas com o desejo do médico”.

Charcot tenta explicar esse impasse através da teoria do trauma, que há uma predisposição do paciente à sugestão no transe hipnótico, que é proporcionada em decorrência de um trauma psíquico. E esse trauma deve ser localizado na história de vida do paciente, feito através do relato que o histérico faz de sua vida. Anna Oliveira

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

INFORMES 2012

Texto de estudo para esta 4a feira dia 01/02/2012

Apresentação do VIII Congresso da AMP
A ordem simbólica no século XXI. Já não é o que era. Quais consequências para o tratamento?
por Flory Kruger

As fragilidades da ordem simbólica, em nosso século, produzem sintomas, mas, também têm suas consequências.

Nosso VIII Congresso da AMP será dedicado a interrogar, durante uma semana, de 23 a 27 de abril de 2012, estes sintomas e, em particular, as conseqüências relativas ao tratamento analítico.

Para isso temos uma bússola no que J. Lacan formula, no Seminário "Ou pior", quando afirma que se o Outro não existe em compensação "há o Um" (Y a d’l’Um). Isto nos orienta em relação às vicissitudes da consistência do Outro simbólico que a civilização nos propõe.

É evidente que esta interrogação não é monopólio da psicanálise nem dos psicanalistas, mas, sem dúvida nossa orientação deverá demonstrar suas particularidades.

De acordo com Heidegger, a fórmula nietzscheana "Deus está morto" se encontra no fundamento do pensamento ocidental e sua ordem simbólica[1]. A psicanálise ilumina esta frase mostrando que, através da morte do pai, dado relevante na medida em que ela promove a autoridade paterna sob a forma da lei, o que se faz não é mais que protegê-lo. Segundo Lacan, salva-se o pai matando-o. Recordemos que, a partir do mito de Totem e Tabu, confirma-se a existência do pai e a civilização se organiza ao redor do Édipo. Este modo de pensar as coisas nos confronta com um Outro consistente. Outro que, na atualidade, irremediavelmente se desvanece. Será necessário, portanto, perguntar qual é o lugar, ou melhor, qual é a função, se é que resta alguma, para o Édipo, na prática analítica do século XXI.

Lacan, a partir da pulverização desta consistência, e sem nenhum tipo de nostalgia por ela, propõe a pluralização dos nomes do pai, o que nos coloca diante não somente da inexistência do Outro, mas, também da afirmação de que o Outro é somente um semblante.

O discurso da ciência fixou o sentido do real, de tal modo que esse real estava em condições de proteger os sujeitos dos semblantes. E isso possibilitou que Freud criasse a psicanálise, orientado por um ideal científico.

Hoje, ao contrário, há mal-estar no que respeita ao real, já que a imersão do sujeito contemporâneo nos semblantes problematiza o real.

A inexistência do Outro produz a crise das identificações e leva o sujeito a buscar o mais de gozar, sua promoção, e adquire sentido a partir do debilitamento do ideal.[2]

Se "o desvario de nosso gozo"[3] se localiza, cada vez menos, pelas identificações provenientes do Outro e, cada vez mais, pelo mais-de-gozar, como isto incide no discurso analítico cujo objetivo assinala a queda das identificações?

A partir das últimas décadas do século XX o mundo se converteu em uma imensa aldeia global, guiado pela revolução científico-tecnológica. As sociedades em geral e as economias e os mercados, em particular, tornaram-se mais independentes, mais globalizados. Esta revolução, diferentemente das anteriores, caracteriza-se pela convergência e simultaneidade de numerosos fenômenos com forte impacto no âmbito mundial.

Assistimos a emergência de uma forma de organização social estruturada em torno do conhecimento e do processamento da informação, que introduz na experiência dos seres humanos uma dimensão diferente: a virtualidade. Ela atravessa tanto a ordem da produção como a da reprodução social, condicionando os modos de relação social com o real.

Segundo alguns autores as mudanças a caminho representam, no devir da humanidade, uma nova revolução, a terceira na modernidade, cujo traço emblemático é a transformação do conhecimento, tanto em valor econômico e social, como em fonte fundamental da produtividade e do poder nas sociedades do século XXI.

Na primeira revolução, a máquina a vapor se materializou na ferrovia; na segunda, as novas fontes de energia e o motor a explosão deram lugar à cadeia de montagem para a produção em série, e ao automóvel como seu objeto emblemático. Na terceira revolução, talvez já não industrial, centrada no tratamento da informação e na produção de conhecimentos, é o computador que se erige na máquina da nova forma de sociedade.[4]

A ordem simbólica perdeu consistência com a democratização da informação, e exemplo disso é a internet. A internet representa uma inovação fundamental que modifica a sociedade, seus produtos, a distribuição e algo mais importante ainda, ela modifica sua mentalidade e espírito.[5]

Quando não havia informação abundante, a etiqueta, o símbolo, comunicava algumas características que não havia como checar. Agora, com a difusão da informação cada qual pode decidir, por si mesmo, sem necessidade de sustentar-se no Outro do saber.

Surge, então, uma nova interrogação: Como esta verdadeira mutação do saber afeta a relação com o Sujeito suposto Saber?

Hoje ocorre o mesmo com a opinião pública. Antes, se uma notícia saísse, por exemplo, no New York Times isso era sinônimo de seriedade, quase de "verdade". Agora a qualidade é julgada em seu próprio mérito e o New York Times está quebrando.

Não podemos desconhecer o rol das redes sociais nas mudanças políticas dos últimos anos: eleição de Obama para presidente dos Estados Unidos, a ebulição democrática no Irã, a mudança de regime no Egito, a preocupação dos governos totalitários, particularmente o da China, com o controle destes meios de comunicação.

Não devemos esquecer que o tema da fragilização da ordem simbólica tem um aspecto de geração que, por sua vez, depende do grau de adoção da tecnologia. A internet faz com que todos os que a usam a sério possam "saber mais rápido", sobre muitas coisas, através dos filtros e das recomendações. Isso faz com que, na atualidade, as etiquetas estejam em crise em todo mundo, tema que foi abordado, originalmente, pelo físico Chris Anderson, editor da revista tecnológica Wired, ícone da inovação em tecnologias da informação.

Desse modo, algumas perguntas que deveremos responder, em nosso próximo Congresso, são: O que ocupa o lugar do Outro que não existe? Quais são as conseqüências do debilitamento da ordem simbólica para a direção do tratamento? O que há mais além da queda dos ideais? Como colocar a psicanálise no nível do progresso das ciências? Como se forma um psicanalista, hoje, para que ele possa responder às linhas traçadas anteriormente? Qual estatuto dar à presença virtual do analista? A busca de uma satisfação imediata induz uma clínica da passagem ao ato? Como o analista responde?

Como podemos ver a fragilização da ordem simbólica, no século XXI, nos obriga a repensar o ato analítico, a direção do tratamento, a interpretação, as entradas em análise, a transferência, os finais de análise, a posição do analista, conceitos fundamentais que permanecerão em questão durante nosso próximo Congresso.

Diante do avanço do saber exposto por todas as vias virtuais, que em tempo real pretendem demonstrar que a estrutura da verdade não pertence à ficção, apelamos para que nossos psicanalistas abandonem os padrões de pensamento. As respostas que hoje podemos dar, como é óbvio, não podem ser as que estão no arquivo do já dito, mas, na invenção do novo, do diferente.

A criação ex nihilo ou a invenção não são, para nós, fórmulas vazias de Lacan. São um instrumento metódico que não convoca à inspiração e sim à lógica que, neste caso, partindo da inexistência, nos permite enfrentar os novos sintomas da civilização, que não contam com o Outro.



Tradução: Ilka Franco Ferrari

NOTAS

1.        Heidegger, Martín: Caminos del bosque. Pag 193. Alianza Editorial. Madrid, 1995.

2.        Miller J. A.: El Otro que no existe y sus comités de ética. Paidós, Bs. As. Barcelona México, 2005.

3.        Lacan, J.: Psicoanálisis Radiofonía &Televisión. Pág. 119/20. Editorial Anagrama. Barcelona, 1977.

4.        Gutierrez Marín, M.: Alfabetización digital: algo más que ratones y teclas. Gedisa, Barcelona, 2003.

5.        Citado em Peres Useche, M.: Gobierno Digital: tendencias y desafíos. Universidad Externado de Colombia. Bogotá, 2003.