terça-feira, 12 de julho de 2011

Carta de Amor a Jabor : o que quer a mulher?

Goiânia, 29 de junho de 2011.

Carta de Amor a Jabor : o que quer a mulher?
Anna Rogéria Nascimento de Oliveira
A/E Escola Lacaniana de Psicanálise de Goiânia

Jabor em muitos artigos retrata o seu amor às mulheres que ele descreve como belas, misteriosas, complicadas. Em seus artigos sobre o tema do amor lá estão elas...as mulheres e o enigma que elas são para os homens e em muitas passagens ele se reconhece perplexo diante do desejo feminino. E ele não é o único...

Freud, sim sempre ele, inicia seu percurso de escuta escutando as mulheres. As histéricas da época que propunham o sintoma como metáfora do desejo. O enigma que envolvia o feminino perdurou durante toda sua vida. Entretanto este enigma fez com que a obra freudiana se destacasse no passado e até hoje se destaca, como o ponto de partida para o percurso onde o feminino pudesse ter um discurso. E como foi esse percurso? Um caminho que foi sempre revisto, desenvolvido e modificado de acordo com suas experiências clínicas. Esta é a beleza do texto freudiano. Ele não tem medo do erro e nem da falta de mestria da certeza.

Se, inicialmente, a preocupação de Freud estava relacionada ao trauma e à sedução, aos poucos tende a acreditar que o trauma não era a própria sedução e sim a recordação da cena. As histéricas sofriam de reminiscências, o que fez Freud reconhecer a importância da sexualidade e a sua ocorrência em dois tempos marcantes: a infância e a adolescência. Até que Freud deixasse de acreditar em sua neurótica e passasse a privilegiar a fantasia, era com as reminiscências inconscientes que ele se ocupava: as histéricas sabiam, mas não sabiam que sabiam...

Assim, a fantasia passa a ser elemento significativo na produção dos sintomas histéricos. Foi com Dora (1905) - símbolo freudiano na compreensão da histeria que ele percebe toda a fantasmática que envolvia o sintoma conversivo. A partir daí, a angústia, provocada por uma fantasia inconsciente, passa a ter um papel decisivo na estruturação das neuroses. É essa angústia que, nas histéricas, Freud chama de inveja fálica, que seria convertida. Muda-se o cenário, muda-se a cena: o que antes era sofrido no psíquico passa a ser sofrido e gozado no corpo.

A partir da letra freudiana podemos perceber que o caminho da mulher em direção à feminilidade, coloca-a diante de uma questão: não é e nem não é. Tomada como enigma insolúvel - a feminilidade – impossível de ser apreendida – encontra na mascarada, uma ponta por onde inventar-se.
Duas palavras se repetem no percurso daqueles que se colocam no lugar da escuta destas questões: aventura e enigma, na medida em que elas fundamentam tudo o que estaria condensado na palavra feminilidade. Para o psicanalista, o elemento aventura está em supor uma viagem pelo imprevisível e no limite do indizível, o que se contrapõe ao registro fálico. Sob o registro fálico o sujeito está ligado à universalidade, a totalização, e ao controle das coisas e do outro. Sob o registro do feminino o que estaria em jogo seria outra coisa: uma postura voltada para o particular, para o não controle e o relativo. Ou seja, a feminilidade abrangeria algo muito distante da postura fálica, algo que marcaria a diferença de um sujeito em relação a qualquer outro.
Sim, de um sujeito em relação a qualquer outro, o que implica em não esquecermos que a questão da feminilidade também diz respeito aos homens. Em 1937, Freud já falava de um princípio geral que estava em ação em ambos os sexos e que, embora diversos em sua forma de expressão, referia-se a uma atitude frente ao complexo de castração. O que quer dizer que, como registro erógeno e psíquico, a feminilidade não diz respeito somente às mulheres. O que Freud nos assinala é a precariedade da condição humana se construída a partir de um referencial fálico tanto da mulher quanto do homem.
Deve-se observar que pesar de seu incansável trabalho de escuta e investigação do feminino, os impasses da sexualidade levaram Freud a se deter ante a ‘rocha viva’ da castração, que para a mulher é marcado pela inveja do pênis. Lacan, por sua vez, encara o desafio de investigar um mais além da castração – da divisão falo/castração, introduzindo a questão do gozo. É o Seminário 20 que marca o percurso do ensino lacaniano em direção a uma outra lógica distinta da lógica fálica, de atribuição dos valores fálico/castrado. A outra lógica em jogo no mencionado seminário é a das fórmulas quânticas de sexuação onde ele apresenta a oscilação da mulher o saber e o não saber. Saber sobre a falta que a constitui como ser falante, saber sobre o gozo. Saber fazer com o real do corpo, considerando é claro que o “desejo se inscreve por uma contingência corporal.”

“O ser sexuado dessas mulheres não-todas não passa pelo corpo, mas pelo que resulta de uma exigência lógica na fala. (...)
Lacan. Seminário 20.

Então, para Lacan a problemática feminina poderia ser colocada como uma conseqüência ou efeito que a função do falo como significante exerce no inconsciente e à maneira pela qual os sujeitos se declaram sujeitados à sua lei. É impossível escrever uma função que ligue direta e completamente o homem à mulher e que seja assim objeto de um saber.
No texto Freud e a Mulher, Assoun (1993) coloca o enigma como um efeito do real da feminilidade “invertendo-se numa indagação ao saber analítico”, uma provocação. Uma indagação sobre seu objeto, mas também sobre seu saber. O que implica na seguinte questão: O que tem a psicanálise a dizer hoje sobre a mulher e a feminilidade?
Será o feminino um paradoxo?
Se o desamparo feminino nos remete imediatamente para o que existe de mais incompleto no ser humano, também remete para a conseqüência maior disso: a dependência insofismável do outro. A clínica psicanalítica é a única que permite esta escuta privilegiada. E ainda que essa dependência não seja absolutamente superável porque ela estará lá - sempre presente – nos fazendo lembrar a todo o momento a fratura constitucional que marca a condição humana é ela que nos faz continuar desejantes. (Birman, 1999)
“Nas verdadeiras mulheres há sempre algo meio extraviado; há na feminilidade verdadeira, uma dimensão de álibi.” Lacan, Seminário 5.

*Leituras consultadas e recomendadas sobre este tema:
ASSOUN, P.L. Freud e a mulher.Jorge Zahar. Rio de Janeiro.1993
Birman, J.Cartografias do Feminino, Editora 34, São Paulo, 1999.

________Mal-Estar na Atualidade. A psicanálise e as novas Formas de subjetivação, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2000.

Freud, S Psicopatologia da Histeria (1886-99) em Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud Vol. 1, Imago Editora, Rio de Janeiro, 1969.

________Fragmento da Análise de um Caso de Histeria (1905) Vol. VII

________Feminilidade (1933) Vol. XXII

________A Organização Genital Infantil: Uma interpolação na Teoria da Sexualidade (1923) Vol. XIX

________A dissolução do Complexo de Édipo (1924) Vol.XIX.

LACAN, J. Seminário 20. Mais, Ainda. Jorge Zahar. Rio de Janeiro. 1995.
LACAN, J. Seminário 5. As Formações do Inconsciente. Jorge Zahar. Rio de Janeiro. 1999.

Nenhum comentário:

Postar um comentário